segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

IR


Gostava de ter um médico aqui ao pé de mim para me explicar por que quero ir para Marrocos tantas vezes.
Um médico ou um cientista…
Já visitei outros países tão “certinhos” como por exemplo a França , Alemanha , Suiça e não tenho tanta vontade de lá voltar.
Porque será?
Alguém me explica ?
As zonas que mais desejo voltar a visitar são sempre as que menos pessoas tem, são aquelas onde as paisagens me deixam ficar calado, ou dizer a quem está a meu lado assim : Olha para isto…
De cidades urbanas estou farto, aprecio também, mas estou farto.
Tem pessoas a mais, pessoas que não querem saber de nós , pessoas que não me interessam.
Gosto da luz amarelada e do cheiro a cominhos.
Sinto-me melhor onde há menos casas e mais daquilo que todos os dias destruímos…..espaço.
Deve ser por isso que tenho vontade de lá voltar e de levar pessoas comigo.
Gosto que sintam o que eu sinto.
A foto é em Midelt..

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro ERG,
isso é coisa que nem a medicina nem a ciência explicam...

Isso é como "fogo que arde sem se ver"...
ou se sente, ou não se sente!

Felizes os que sentem, pobres os que não sentem!

Pobres porque a verdadeira riqueza, não é o apartamento com domótica de 7 assoalhadas e o descapotável na garagem... a verdadeira riqueza não é jantar no restaurante mais caro e onde nem sequer se come bem, só porque é o sítio da moda... a verdadeira riqueza não é apanhar o avião para países de praias paradisíacas e ficar enclausurado no resort só porque lá fora as pessoas são diferentes...

A verdadeira riqueza, é viajar e sentir o mundo, as gentes que nele habitam e os seus hábitos, as suas culturas!
A verdadeira riqueza, é podermos sentir-nos livres de estar onde nos apetece, estando ou não bem vestidos.
A verdadeira riqueza são pequenos grandes momentos de felicidade, que se partilham com as pessoas de quem se gosta e, assim sendo, ambos somos ricos, bastante ricos!

Quanto a essa necessidade de "espaço sem gente", é partilhada concerteza por alguns de nós, eu incluído, mais que não seja pela magia de tais momentos. A ti, te devo alguns!

Gosto que gostes de levar pessoas contigo e gosto de fazer parte dessas pessoas!

Será sempre motivo de felicidade, acompanhar-te! Obrigado!

Barbas

Fennec disse...

Talvez esteja neste texto...

Um desejo de nada

Fui onze vezes ao deserto do Sahara. Nos últimos anos, tenho ido sempre, pelo menos uma vez por ano, assim como outros vão a Fátima ou a Paris. A devoção tornou-se assim uma espécie de obsessão, aos olhos dos amigos ou dos estranhos: perguntam-me frequentemente o que é que eu lá procuro e o que é que encontro. E a esta pergunta, tão simples e tão vasta, costumo dar uma das minhas respostas preferidas: não procuro nada e não se encontra o que se procura, mas o que se encontra. De vez em quando, forçado a explicar-me melhor, falo da paisagem inicial e despojada do deserto, ou da viagem interior que ali acompanha a outra viagem. Mas não passam de lugares-comuns, próprios de quem não sabe a resposta ou, no subconsciente, não deseja partilhá-la com os outros.
O que é que se procura num deserto? Por definição, nada. O deserto é a ausência de tudo. É esse, afinal, o segredo desta estranha atracção: a ausência de tudo equivale ao princípio de tudo, como uma página em branco. Por isso, as minhas recordações mais marcantes do Sahara estão ligadas sempre a coisas incrivelmente simples: um copo de água gelado, oferecido por um médico da Frente Polisário, num hospital de campanha do Sahara Ocidental, com uma temperatura de 60 graus centígrados lá fora; uma noite deitado numa duna de areia, no extremo sul argelino, entre um silêncio absoluto, a ver passar os satélites de telecomunicações no céu, a olho nu; ou outra fantástica noite no sul de Marrocos, numa tenda berbere de um abrigo para viajantes, debaixo de uma tempestade de areia desencadeada subitamente, dormindo e acordando ao som do vento rugindo em fúria descontrolada e coberto de areia da cabeça aos pés.
Não se encontra o que se procura, mas o que se encontra. Encontrei uma víbora preta, debaixo de um tanque marroquino destruído na guerra com a Polisário; encontrei um escorpião branco da areia, sinistro e pequeno assassino, a um metro das minhas costas, quando me preparava para dormir num velho forte abandonado; encontrei um antílope que corria ao longe, no meio da extensão sem fim das dunas do Grand Erg Ocidental, e uma noite encontrei um pássaro enorme, que parecia um faisão e que , saído de parte alguma, se veio esborrachar contra os faróis do jipe, oferecendo-se em inesperado jantar. E encontrei gente que só ali se encontra – o Ahmed, o Sidi, o Mohamed « Pas de Problème », o Ali e outros, europeus como eu e, tal como eu, à procura de coisa alguma. E encontrei duas mulheres berberes com um burro, num poço, no meio de nada. A mais nova era muito bonita e tinha uma criança ao colo. Dei-lhe os habituais presentes e perguntei-lhe por gestos se a podia fotografar. Ela fez um sorriso de pura sedução, abriu a roupa, tirou o peito para fora e começou a fingir que dava de mamar à criança, que não tinha fome nenhuma: fiz-lhe uma verdadeira fotografia erótica.
Mas o deserto raras vezes é aquela coisa sempre poética e deslumbrante do filme de Bertolucci, com dunas cor-de-rosa e vermelhas ao pôr-do-sol. A maior parte da vezes, longe das caravanas de camelos para os turistas de « photo opportunity », é um terreno áspero, duro, feito de calhaus e terra escurecida, sem nenhum sinal de vida – como uma Lua debaixo do Sol. A progressão lenta e massacrante, a paisagem é monótona e triste, as jornadas são esgotantes e vazias de acontecimentos: tudo nos faz desesperar por um acampamento ao fim do dia, dois litros de água para limpar o pó da cara e da cabeça, uma lareira, uma sopa quente, uma conversa que engane as saudades de casa.
Porquê, então, este desejo veemente de deserto, esta vontade de nada, de vazio absoluto, esta viagem ao mais fundo de nós mesmos – lá, onde não resta sombra e arrogância, do orgulho, e da sabedoria que julgamos ter? Talvez (vou enfim arriscar uma resposta…) porque ali estamos a sós como Absoluto, ali, se os Deuses existem, é o mais próximo deles que podemos estar, porque ali reside, mesmo que jamais o decifremos, a chave para o eterno enigma da Criação. É ali que começa a vida. É o nosso útero, o princípio de todas as coisas. Só então ficamos a saber que tudo o resto são circunstâncias.


Miguel Sousa Tavares
in
“ não te deixarei morrer, David Crockett ”

Anónimo disse...

Pois é caro Fennec,
parece que ambos apreciamos as linhas de texto deste "escritor viajante" entre outras coisas.
Este texto que tão bem transcreveste mostra realmente, na minha opinião, a pura e inexplicável sedução com que o deserto atinge muitos de nós!
Como escrevi anteriormente: "Não se explica, sente-se!"
E ainda bem que também o sentes!

Barbas

Anónimo disse...

Voltar a Marrocos é sempre um desejo que não se explica. A viagem provoca em nós vontade de voltar a exprimentar aqueles locais como fosse sempre a primeira vez. É diferente de ano para ano, mesmo que estejamos em locais que conhecemos.
Não se explica o encanto. Admira-se
Não se traz a imensidão por mais soufregos que sejamos.
Ver o sul e senti-lo faz-nos bem.
Tão longe de tudo, tão perto de nós.
Parar no meio do nada, escutar o som do meio, viver aquele momento preenche-me a alma e projecta-me para sempre a vontade de voltar.
E é isso que vamos fazer.
Um dia estarei com o tempo desligado para voltar de lá quando entender. Para ali estar sem que fazer,sem fazer, sem pensar.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Pedro da Silva disse...

"Pois é... Eu sei o que isso é". Sempre ouvi dizer que de Marrocos ou se gosta muito, ou se odeia. Não há meio termo. Quantos de nós não conhemos pessoas que já lá foram e que odiaram? Mas vocês e eu somos daqueles que gostamos e muito. Marrocos? Let´s go!